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INFARTO DO CORAÇÃO EM IDOSOS – OS SINTOMAS SÃO SEMPRE OS MESMOS?

Mais um dia na rotina pesada de um Pronto Socorro. Dra. Clara, trabalhando mais de 10 […]

14/06/2023

Mais um dia na rotina pesada de um Pronto Socorro. Dra. Clara, trabalhando mais de 10 anos naquele serviço, recebe um paciente, agora com uma queixa que não é clássica de nenhum quadro típico. O Sr. Benedicto, já com seus 81 anos, conta que acordou com uma sensação de estômago pesado e empachamento, que tem certeza de que foi devido ao almoço na casa do filho no dia anterior, em que tomou umas cervejas a mais. Durante a tarde passou bem, à noite fez um lanche leve com sua esposa já em sua casa, mas acordou desse jeito. Tomou um medicamento para gases, tentou provocar o vômito, mas nada! Aliás, depois dessa tentativa, acha que até ficou pior e teve uma crise de sudorese. Dona Maria, sua esposa, insistiu para que fosse ao PS, mas ele acha que precisa de um antiácido apenas. Dra. Clara perguntou e Sr. Benedicto comentou que achava os remédios para o colesterol e o diabetes que tomava estavam um pouco fortes. Afinal o estômago estava mais sensível desde que havia sido ajustada sua prescrição na última visita ao seu médico.

O profissional que tem experiência em emergência sabe: nem tudo que parece, realmente é! Dra. Clara, já imaginando que o Sr. Benedicto poderia ter algo diferente do que ele acreditava, abriu uma linha de investigação mais ampla e o eletrocardiograma – o paciente não entendeu por que fazer este exame – que ela pediu e evidenciou o que ele não esperava: estava sofrendo de um infarto do miocárdio!

Mas, afinal, isso é muito frequente?
Infelizmente isso é realmente frequente. Como se sabe, o sintoma clássico de infarto agudo do miocárdio é a dor no peito, tipo aperto ou opressão, que pode se irradiar para os braços, a mandíbula ou a “boca do estômago”. Palidez, sudorese, falta de ar podem acompanhar essa dor.

Estudos mostram que, em pessoas octogenárias, mais de 40% dos casos de infarto não apresentam o sintoma clássico de dor no peito, enquanto em pessoas com menosde 65 anos este número gira em torno de apenas 10%. Isso ocorre porque pessoas mais idosas apresentam condições clínicas que, além de confundir o diagnóstico com outras patologias, como de origem digestiva, respiratória ou osteomuscular, ainda podem apresentar mais frequentemente condições como diabetes mellitus ou depressão, que alteram a sensibilidade. Medicamentos utilizados para controle de dor ou depressão também causam mudanças na percepção da dor. Além disso, não podemos esquecer que a própria doença aterosclerótica, aquela que forma placas de gordura nas artérias, é mais comum em pessoas acima de 65 anos, facilitando a ocorrência de infarto.

Ocorre ainda que parte dos idosos talvez tenha algum distúrbio cognitivo (doença de Alzheimer, por exemplo). Desta forma, a interpretação do sintoma e sua comunicação ao profissional que está fazendo seu atendimento tornam-se imperfeitas, levando a erros diagnósticos.
Entre as manifestações que não são clássicas de infarto, devemos prestar mais atenção nestes sintomas em idosos:

  • náuseas;
  • palidez;
  • sudorese excessiva;
  • falta de ar;
  • surgimento de confusão mental;
  • diarreia;
  • indisposição;
  • ou até mesmo ausência de sintomas.

Quanto mais idoso o paciente, maior deve ser o cuidado para não deixarmos escapar este diagnóstico. Sabe-se que neste grupo de pessoas o tratamento adequado é essencial para a diminuição de sequelas, que são arritmias, insuficiência cardíaca e declínio de qualidade de vida.

Dra. Clara, ao fazer o diagnóstico, iniciou imediatamente o tratamento e encaminhou o Sr. Benedicto para o cateterismo no mesmo momento, afinal fazia poucas horas que os sintomas tinham começado. Tratada a artéria obstruída, com a implantação de um stent coronário, o paciente evoluiu sem alterações. Depois de uma curta estadia na UTI, foi para a enfermaria e recebeu alta após três dias, sem sequelas no coração. Decidiu fazer o tratamento rigorosamente, mas, por via das dúvidas, agora modera na quantidade de cerveja… Afinal, ainda acha que a culpa foi dela!

Sobre o autor: Dr. Marcello Barduco

Cardiologista e Emergencista do Corpo Clínico do Hospital Sírio Libanês. Pós-graduado em Geriatria pelo IEP – Hospital Sírio Libanês. Gestor do Pronto Atendimento no Hospital Santa Cruz (2004 a 2009). Membro do comitê de ética do Hospital Sírio Libanês (desde 2014). Responsável técnico pela Clínica Barduco há 25 anos. Membro do Conselho Editorial da TREVOO (desde 2021).

marcello.barduco@trevoo.com.br